20 de set. de 2009

Conto: O livro

                                                                                    I

              "Porque tentar de novo?", se perguntava Luana talvez pela terceira vez. Havia marcado para se encontrar com um rapaz que havia conhecido no bar perto da sua casa. Completaria na próxima semana três longos anos que havia se separado depois de um casamento problemático com André, um bêbado tradicional, machista e violento, que vez ou outra a espancava para mostrar quem mandava no pedaço. Não mandava nem em si mesmo, ela sabia disso, mas mesmo assim como toda mulher que ama um ou dia vai amar, tinha a esperança de tornar melhor aquilo que não buscava melhoras.

              Apanhava do marido, isso era fato, não um fato anormal, apesar de cruel acontecia com inúmeras esposas que amavam seus maridos que amavam mais a bebida, o maior problema - sempre pensou ela - era de que ela sabia muito bem disso, pois era e é policial na delegacia de mulheres. Resolvia todos os dias casos de mulheres agredidas pelos maridos, se orgulhava de ver mulheres que tinham a coragem e a sensatez de delatar seus agressores e seguirem suas vidas, mas ela mesma era incapaz disso. Ela via a marca que esse passado havia deixado nela, se olhava no espelho pela sétima vez em dez minutos - colocando um vestido à frente do corpo para imaginar como ficaria - quando parou e encarou uma cicatriz na coxa direita, nada belo. Suspirou e voltou novamente a pensar o que estava fazendo, ela mesma não entendia porque havia aceitado o convite para sair, era o único que aceitara desde que se separara.

              Mas havia algo especial naquele rapaz - outra coisa que ela não entendia- quando o encarava nos olhos, parecia que havia sido deixada numa espécie de hipnose. Sentia vontade de fazer qualquer coisa para saber mais sobre o dono daqueles olhos castanhos, que ela podia jurar que a primeira vista pareciam vermelhos. Foi efeito de luz, ninguém tem olhos vermelhos! Por falar nisso esse vermelho ficou ótimo em mim! Decidiu ela por esse vestido e seguiu animada com sua preparação para o encontro, tentando tirar os pensamentos negativos da cabeça.

 

                                                                      II

 

              Tinha decidido não vir de moto, por mais que amasse sua Hayabusa vermelha - que sofreu para comprar - não queria estragar nem o vestido nem o cabelo com um capacete apertado. Pegou um táxi, quando o táxi enfim chegou ao destino, ela percebeu que realmente o rapaz que a convidara tinha bom gosto, estavam num restaurante de comida italiana, não um restaurante luxuoso, mas muito bem decorado para trazer calma a romance para os clientes, casais na maioria.

              Pagou o taxista, e mal deu alguns passos em direção ao restaurante, e uma mão capturou a sua.

- Desejaria ser minha acompanhante esta noite? - Disse um rapaz que se colocou a sua frente em uma fração de segundo e a fitava nos olhos.

- Se não desejasse não estaria aqui, Juan. - Sorriu discretamente enquanto correspondia o olhar do rapaz, Juan.

- Está linda.

- Obrigada.

- Não agradeça. Não é esforço nenhum elogiar você. - acompanhou-a até uma das mesas enquanto sua mão cuidava da dela com extremo carinho e só soltou-a quando ela se sentou.

              Juan sentou-se também e a conversa começou, conversaram durante algum tempo quando, em meio ao jantar, o garçom ao servir mais vinho na taça de Juan, derrubou e fez uma grande mancha na camiseta social branca que o rapaz usava. Algo estranho aconteceu então e Luana percebeu, pareceu, por um breve momento, que ele fosse perder a paciência e começasse a destacar a incompetência do garçom em palavras altas e agressivas, como os vários mauricinhos que ela conheceu em sua vida já fizeram perto dela. Neste momento, neste breve momento, ela pôde jurar que viu os olhos de Juan se tornarem vermelhos como sangue, mas antes mesmo que ela pudesse ter certeza de que eram mesmo vermelhos, algo mudou. Juan havia fechado os olhos e trazido um pouco de ar aos pulmões e, ao solta-los não havia mais sinal algum de que fosse perder a paciência, pelo contrario, mostrou um sorriso do tipo "fazer o quê" e, para alívio do garçom, seguiu para o banheiro se lavar sem dizer mais uma palavra. A partir desse momento ela não via mais nenhuma coloração vermelha nos olhos de Juan.

              Ela tinha perdido a noção da realidade, e pensamentos de preocupação mal duravam segundos e passavam para longe de sua mente. Logo sua mente concluiu novamente que fora uma ilusão de luz que a fizera ver um vermelho impossível nos olhos daquele rapaz e, também concluíra que ele tinha um auto-controle apreciável.

              Juan retornou para a mesa, não havia conseguia bons resultados com a mancha de vinho, que apenas havia clareado, mas tinha se espalhado por boa parte do tecido da camisa.

- Você escolheu um bom restaurante, sempre vem aqui com as meninas que quer levar pra cama? - Luana provocava Juan não apenas com palavras, mas também com o olhar, enquanto segurava a terceira taça de vinho dela, já pela metade.

              Juan riu e, olhando-a nos olhos com um sorriso:

- Na verdade esse restaurante, além de legal, é também o mais perto da minha casa. E você é a primeira mulher que trago para jantar comigo aqui com essas intenções.

              Era uma brincadeira que se tornaria uma bela ofensa para a personalidade de Luana normalmente, mas naquele momento ela parecia até gostar da brincadeira e pensar sério não mais como brincadeira, mas com interesse em tornar real. Talvez fosse o vinho fazendo efeito.

              Ela riu, continuaram conversando mais um pouco, dessa vez mais sobre ele do que sobre ela, como havia sido durante a maior parte da conversa. Juan realmente morava próximo do restaurante, na verdade, na rua do lado. Enfim o jantar acabou e ele se levantou após alguns minutos a mais conversando sobre como ele fora incrivelmente calmo com o garçom e tinha muito auto-controle:

- Bem, parece que a nossa conversa por hoje acabou, infelizmente. Vem, eu te levo até o táxi.

              Apesar das palavras de Juan parecerem que ele pretendia se livrar de Luana, seu olhar para ela indicava justamente o contrário, parecia convida-la para algo mais.

- Não precisa acabar agora se não quiser. Podemos continuar na sua casa.

              Ela havia aceito o convite. Ele pagou a conta do jantar em dinheiro vivo e seguiu com Luana até sua casa, percorrendo todo o ombro dela com um dos braços.

 

                                                        III

 

              Deram seus passos pela rua movimentada, era um local rodeado de restaurantes, lanchonetes e bares, muitos de alta classe. Apartir da saída da rua, seguiram pela direita e seguiram até uma área onde apenas existiam residências, passadas algumas casas pela rua, chegaram até uma casa que tinha a porta de madeira envernizada de frente para a calçada. Juan tirou as chaves do seu bolso, com muita rapidez encontrou dentre as cinco chaves do chaveiro a chave que precisava de primeira, Luana se encantava com tudo em Juan e isso não passou despercebido por ela.

              Entraram na casa, era realmente uma casa de solteiro, não havia grande hcarme na mobília, o investimento alí eram maiores no aparelho de som e na televisão de 32 polegadas com tela LCD. A conexão do olhar dos dois não se rompia por nada, por ela colocando a bolsa numa mesa no centro da sala ou por ele fechando a porta e trancando.

              Mas algo realmente quebrou o clima - ao menos tentou - e avançou em latidos altos e ameaçadores contra Luana. Parecia um Husky Siberiano se não fosse a coloração extremamente negra da pelagem do cão e seus olhos castanhos - pensou ela - que pareceram vermelhos durante alguns instantes para Luana. Ela se assustou e os latidos do cão cessaram apenas quando seu dono lhe deu uma bronca e o cão saiu pela cozinha até o quintal.

              Ambos se olhavam e Juan deu um sorriso sereno:

- Passou. - e riu junto com Luana de um jeito discreto.

- É. - Luana se aproximou dele, e passando seus braços por ele, beijou-o.

              E foram seguindo para o quarto de Juan, ele parecia não querer perder muito tempo e Luana não fazia objeção. Entraram num quarto até que de grande tamanho, havia uma escrivaninha com um computador e uma impressora no extremo direito do quarto e uma cama de casal arrumada próxima à janela que dava visão ao quintal de trás da casa, foi o alvo do casal que não chegou a deitar sobre ela, mas se aproximaram em passos lentos e beijos.

              Deixando-se controlada por Juan, ele já avançava beijando o pescoço dela e lhe causando arrepios, na realidade, ela sentia um prazer enorme naquela simples ação. Mas sem os olhos de Luana fixados no seu rosto, os caninos de Juan se mostraram maiores que o de costume em questão de segundos e, de forma lenta e suave, descia seus dentes pela pele de Luana. Ele sorria sabendo do prazer que a sucção do sangue jovem dela daria a seu vicio fatal.

              Antes que perfurasse a pele dela, foi interrompido por um grande corpo que praticamente atravessou a janela transformando a vidraça em milhares de pedaços - que se espalharam pela cama e pelo chão - e atingiu exatamente o corpo de Juan que voou junto com o peso contra a parede. Luana recobrou a consciência, viu o corpo sangrando do cão de Juan em cima dele, que estava caido de costas para a parede encarando a janela - parecia que alguém tinha, por incrível que parecesse, lançado o animal contra ele com extrema força - ela logo correu para fora do quarto se escondendo na cozinha.

                                                                      IV

 

              Depois de calma na cozinha, não conseguia ouvir mais nada do quarto então seguiu em passo lentos e cuidadosos pelo corredor que levava até a sala e lá, percebendo que estava livre, pulou para sua bolsa e dela tirou sua 9mm e numa corrida ao estilo como fora treinada na academia policial, entrou no quarto e em milésimos de segundo levou sua pupila na direção de Juan e encontrou um alvo para seu revólver.

              Era um homem, ela percebeu logo pela musculatura dele, usava uma camiseta regata preta e uma calça de tecido jeans preto. No rosto usava uma máscara que permitia abertura apenas para seus olhos, com o pé direito empurrava ainda mais o corpo do cão contra o peito de Juan e - Luana arregalou os olhos quando viu - segurava o que parecia uma espada oriental, cravada no peito da vítima.

- Seu desgraçado! Sai de perto do corpo dele e fica parado! - Ela gritou pensando como faria para pegar o celular da sua bolsa e ligar para a ambulância sem deixar o assassino fugir.

              O homem abandonou a espada no peito de Juan - que ainda estava vivo, se contorcendo de dor, fechando os olhos e os reabrindo com força, ele mesmo não acreditava no tamanho e profundidade do ferimento, sentia algo vazando dentro do seu corpo, era sangue. - e se afastou dois passos para trás em silêncio fitando Luana com os olhos, de forma calma com as mãos caidas na altura da cintura.

              Luana pensou em valorizar mais a vida de Juan e deixar o assassino escapar para conseguir pegar o celular, era o mais sensato que ela conseguiu pensar no momento, mas antes que desse início a isso, de onde deveria sair sangue na ferida de Juan, estava seco e começou a sair uma nuvem de cinzas. Ele parou de se contorcer, seu corpo inteiro pareceu se queimar sem fogo e se transformou numa nuvem de cinzas que desceu sobre o chão do lugar e sobre o corpo do cão.

              Luana não entendia nada. "só pode ser um pesadelo", ela não parava de pensar. Quando voltou se olhar para o rosto do assassino que a encarava, uma dor súbita na cabeça surgiu, sua visão embaçou, tudo escureceu e em uma fração de segundo, ela estava caída no chão. O homem mascarado pareceu sentir uma bela dor de cabeça e levou as mãos á cabeça, poucos segundos depois parecia normal, tirou as mãos da cabeça e andou alguns passos em direção ao corpo da mulher.

              Ele olhou o corpo dela por algum tempo.

 

                                                        V

 

              Luana abriu os olhos de forma calma - a principio - mas com desespero levantou seu corpo para olhar ao redor. Agora estava sentada na sua cama e na segurança de seu lar, o rápido questinamento se aquilo tudo foi um pesadelo passou na mente dela, mas quando olhou para seu corpo, estava vestindo o mesmo vestido da noite anterior, "não foi um pesadelo?".

              Luana olhou para na direção da pequena mesa do lado da cama e viu, em cima de um livro do Paulo Coelho e do lado das suas chaves, um outro livro. O livro tinha capa dura, costurado como em livros antigos e dizia em letras grandes "LEIA-ME". Com certo medo ela foi ao poucos aproximando a mão e os dedos até o livro, enfim puxou-o para abrir. Quando abriu, a primeira página estava em branco, em seguida ela viu - folheando com pressa e frustração o livro - que todas as páginas estavam em branco. Quando colocou novamente na primeira página para fechar o livro, havia algo escrito.

              "Eu tenho certeza que não tinha nada escrito...", pensou ela.

              Percorria em uma letra manual e de boa caligrafia, a seguinte frase:

QUEM É VOCÊ?